Carta aberta aos pais

Carta aberta aos pais

Senhores pais,
As drogas estão ocupando um espaço cada vez
maior na redondeza, onde presenciamos os
jovens usando substâncias psicoativas cada vez mais cedo.


Um dos maiores fatores de risco para a
dependência de drogas é seu início precoce, pois
atrapalha a reconfiguração desse cérebro ainda
imaturo. E o que ela seria capaz de fazer com uma
vida, única, que está moldando, configurando o
novo mundo que se apresenta?

As drogas são como um cavalo de Tróia, causam
prazer imediato, em oposição a um lento, mas
progressivo desmoronamento da potência de vida. Se
o cavalo de Tróia foi apenas uma fantasia na obra
de Homero ou uma realidade transfigurada pelos
cronistas, as drogas, entretanto, são uma dura
realidade.


A criança paquera com a droga, brinca com a
fumaça do cigarro exalada pelos pais, se encanta
com o cheiro. Mais tarde, ela “fica” com a droga.
Depois, esse “ficar” dá lugar a um “rolo”. Quando
se dá por conta, já está namorando, mesmo sem a
aprovação da nora ou do genro pelos sogros. Até
que um belo dia, o casamento acontece. É tão
sorrateiro, devagar, discreto que a maioria
nem percebe o relacionamento onde se meteu.

Há três níveis de prevenção:
1) Prevenção primária: o indivíduo ainda não
teve o primeiro contato com a droga.
Devemos trabalhar para impedir que ele
tenha contato com ela. Encontra-se no
nível da paquera.
2) Prevenção secundária: o indivíduo já teve
ou tem contato com a droga e queremos impedir que
ele evolua para um hábito, um
vício, um comprometimento. Encontra-se na
fase do ficar, do “rolo”, e queremos
impedir que aconteça um namoro ou
casamento.
3) Prevenção terciária: o indivíduo é
dependente da droga. Aqui devemos tratar o
indivíduo para evitar um desfecho ainda
pior. Encontra-se na fase do namoro ou do
casamento.


A prevenção está ligada à área da educação,
devendo ser individualizada, de acordo com a
personalidade, repertório de vida, contexto
familiar, cultural e comunitário de cada pessoa.


Há também a prevenção universal. Uma medida
que favorece toda a sociedade. Por exemplo, a
Lei de Tolerância Zero na direção reduziu não
apenas a ingesta alcoólica, como também o
número de mortes por acidentes de trânsito.
É necessário trabalhar constantemente cada
cidadão, família, população a fim de diminuir
os fatores de risco e aumentar os fatores de
proteção, aumentando as chances de sucesso no
combate às drogas.

Vivemos em um mundo pós-moderno onde somos
estimulados a uma vida para o consumo.
O império do shopping center. Querem nos
transformar em máquinas eternamente
desejantes, insatisfeitas, pois um ser
satisfeito para de consumir, e o mercado
precisa vender. O que se passa com o filho de
dezoito anos que anseia entrar na universidade
apenas para ganhar um carro do pai? O estudo
mudou de significado? E você, pai e mãe, deve
ficar vigilante. Nossas crianças tem uma babá
eletrônica que fez doutorado em marketing na
Universidade de Harvard, e ela atua a cada cinco minutos
nos intervalos entre um desenho
animado e outro.


Um grande produto da nossa época é o lixo.
Mercadorias já nascem condenadas ao lixo desde
sua produção. Drogas psicotrópicas inéditas
são fabricadas a todo instante para competirem
com as anteriores na caçada pelo prazer sem
demora, tentando alcançar seres insaciáveis
que não cessam de buscar sensações químicas
até o último limite. Basta lembrar a matéria
de capa da Folha de São Paulo, em 14/08/2016,
relatando que, nos três anos anteriores,
tinham entrado 59 novos tipos de drogas no Brasil.


Nesse contexto, eu torço para que o produto
mais perene de nossa época seja a educação
legada para nossos filhos. Um dia, nós pais,
não estaremos mais por aqui. Desejamos que
nossos filhos sejam independentes e saibam
usar sua autonomia com responsabilidade.
A promoção da saúde e da vida é um
processo artesanal, como se fosse
feito com as mãos, igual aos pintores
renascentistas que usaram suas mãos para
traduzirem o que existia de melhor em seus
cérebros e corações.

Ziyad Hadi
Psiquiatra

Ver também:
Carta aberta aos professores
A partir de que idade conversar sobre drogas com os filhos?

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