Investir no diálogo, criar filhos para a saúde.
A partir dos quatro anos, procura-se mudar a atitude através do diálogo. Entre quatro e oito anos, pode-se começar o trabalho de conscientizá-lo e habilitá-lo a seguir limites: é o ensino explícito, que explica e pratica com o filho. Buscar sempre diálogos possíveis de entendimento de acordo com a idade. Uma boa estratégia é você contar histórias infantis (reais ou inventadas), histórias de sua própria infância e de outros parentes, ou sobre fatos observados no cotidiano (reais ou romanceados). Por exemplo, “hoje papai viu um menino, o Ricardo, correndo como um trem no supermercado, sumindo entre as prateleiras. A mãe do Ricardo pediu para ele parar várias vezes, mas ele não obedecia, até que derrubou várias latas de molho de tomate sobre ele e acabou se cortando, e a mamãe teve um prejuízo enorme.” Em resumo, antes dos quatro anos de idade, procura-se mudar o comportamento. Após essa idade, com a capacidade de diálogo mais desenvolvida pela criança, começa-se a buscar a mudança de atitude.
Você mãe, pai, deseja saber a partir de que idade já é possível iniciar a conversa sobre drogas com seus filhos? Sabe-se que o diálogo, de uma maneira geral, é possível a partir dos quatro anos. Antes dessa idade, deve-se tentar mudar o comportamento. Se for pequeno demais, emprega-se o ensino implícito, aquele que induz e habitua a criança, fornecendo limites de contenção. Por exemplo, a criança tenta colocar o dedo na tomada, e o pai mostra-lhe uma cara feia, de desaprovação, e seu filho é condicionado, através das reações do seu genitor, a manter o dedo longe da tomada.
E as drogas? Quando começar a falar sobre elas? A partir dos oito anos de idade. Entretanto, antes disso, é necessário conversar com os pequenos, desde a idade mais precoce, sobre “segurança” e “saúde”, dois princípios básicos que irão nortear toda a educação, limites de partida que serão constantemente reforçados.
Se, aos quatro anos, seu filho for incentivado a participar dos projetos de preparação para a vida, você irá transformá-lo num parceiro que coopera desde a infância. Aos oito anos de idade, quando os pais discutirem sobre as drogas, os pimpolhos já terão impregnado os valores de “segurança” e “saúde”.
E se os filhos indagarem a respeito das drogas antes dos oito anos? O que fazer? Responder apenas ao que for perguntado, de maneira simples, sem ir adiante, usando uma linguagem apropriada para cada fase do desenvolvimento. Os pais, nessas horas, devem usar a intuição que brota naturalmente em toda relação.
A partir dos oito anos, os genitores não devem esperar os filhos interrogarem sobre os tóxicos, mas abordar o assunto espontaneamente e de maneira repetitiva até o início da idade adulta quando seus descendentes tiverem alcançado uma maior autonomia. Não espere pela adolescência para começar a falar sobre as drogas. Há ardilosos piratas que ancoram no porto tentando saquear o maior tesouro que você tem em casa. A prevenção é um longo percurso: começa cedo e se estende. É uma construção artesanal, humana. Exige esforço.
“Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas e de olhos bem abertos.”
Guimarães Rosa
Através do diálogo, é possível resolver 90% dos conflitos, restando apenas 10% das situações onde é necessário impor limites. Falarei agora sobre 5 premissas para o bom diálogo:
PREMISSA Nº 1 DO DIÁLOGO:
A condição primordial é que ele ocorra em momentos de calmaria. Dialogar em momentos de estresse ativa certas regiões do cérebro (como amígdala e hipocampo), dificultando o raciocínio e a argumentação clara. Deve-se aguardar que os ânimos esfriem para então ter uma conversa tranquila em momento oportuno. Dialogar com o sangue quente seria tão inadequado quanto a esposa discutir o alcoolismo do marido no instante quando ele chega em casa alcoolizado, por exemplo.
“As ocasiões fazem as revoluções.”
Machado de Assis
PREMISSA Nº 2 DO DIÁOLOGO:
Entrar em conexão com os pensamentos e sentimentos do filho. Procurar ouvir o ponto de vista dele. Essa é a hora de escutar de verdade o seu filho, para identificar com quais pensamentos e emoções dele você irá dialogar. Sem saber o que ele pensa e sente, há risco de fazer um sermão. Crianças e adolescentes, assim como os adultos, são seletivos, ou seja, só prestam atenção naquilo que tem relação com seu mundo, seus sonhos, desejos, dificuldades e temores. É muito importante não julgar. “Ele está fumando maconha, porque é tímido e acredita que precisa fumar para se enturmar, ser aceito pelos colegas? Por estar sofrendo bullying entre os amigos por ser o que não fuma maconha? Ele não acredita que a maconha causa malefícios e acha que é tudo papo furado? Fuma maconha para relaxar, para sentir um maior prazer?”
Muita atenção: ao descobrir que o filho está ingerindo álcool, fumando cigarro ou usando qualquer tipo de droga ilícita, não entrar em pânico, não ser dramáticos e nem “chiliquentos”. Por quê? Diante de reações onde os pais se assustam, transmitem aos filhos a ideia de serem preconceituosos, moralistas, inacessíveis, incapazes de dialogar. Diante desse quadro, os filhos perderão a confiança nos pais, não recorrendo a eles quando precisarem de ajuda. A insegurança vai se estabelecer na relação.
PREMISSA Nº 3 DO DIÁLOGO:
Criar empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Demonstrar ao filho que o escutou de verdade, que entendeu o ponto de vista dele.
Receamos manifestar empatia, pois temos medo de passar a impressão de que aprovamos a atitude do outro. Na verdade, quando tentamos entender as motivações do outro, estamos formando uma poderosa ponte emocional e cognitiva para alcançar o nosso interlocutor. Uma sintonia. Exprimir empatia com as motivações (desejos) do seu filho não significa que você esteja aceitando os motivos (razões) alegados.
Uma maneira de demonstrar que você entendeu as motivações dele é reproduzir com suas próprias palavras o que seu filho está sentindo. Quando um pai consegue descrever o que seu filho está sentindo e pensando, esse interlocutor passa a se sentir compreendido. Por exemplo: “filho, acho que consegui entender. Você e mais dois colegas acham muito chata a aula de matemática, além de não estar alinhada com o curso de Publicidade que você pretende seguir na faculdade. Então vocês cabulam a aula na praça fumando maconha. E se entendi direito, vocês também se sentem mais criativos quando fumam maconha.”
PREMISSA Nº 4 DO DIÁLOGO:
Se nas três etapas anteriores, os genitores foram passivos, isto é, apenas escutaram, nas premissas número 4 e 5, vai ser o momento dos pais falarem, transitarem para o polo ativo do diálogo.
Chegou a hora de verbalizar para o filho que há dois lados em jogo, dois sentimentos opostos. Por exemplo: “filho, eu entendo que você fuma maconha porque é uma maneira de pertencer a uma turma, de relaxar. Por outro lado, você tem apenas 15 anos, e, nessa idade, o cérebro ainda está em consolidação, em processo de amadurecimento, e os estudos comprovam que a maconha traz prejuízos cognitivos, redução do quociente de inteligência (QI), síndrome amotivacional (isto é, perda de outros interesses, hobbies, escola, esportes, estudos), maior chance de largar a escola e ir ficando para trás na vida em relação aos seus pares, maior risco de ficar viciado, câncer de pulmão, é uma porta aberta para outras drogas.
Nessa etapa, os pais irão mencionar que estão diante de um dilema (entre o desejo de seu filho e as limitações à realização desse desejo), colocar as cartas na mesa e explicitar os dois lados da questão.
PREMISSA Nº 5 DO DIÁLOGO:
Nessa última etapa, os pais irão propor novos experimentos, novas possibilidades de resolver a questão. Convidar o seu filho para a construção de uma solução. Seguindo-se o exemplo anterior, propor ao filho trocar as amizades, fornecer mais instrumentos para ele lidar com a timidez, descobrir novos prazeres, tais como tocar um instrumento musical ou praticar aquele esporte que tem vontade há muito tempo, mas sempre procrastinou.
Se essa estratégia falhar, os pais se encontrarão diante de um conflito de alta resistência à mudança, exigindo a imposição de limites. Lembrem que, conforme mencionado anteriormente, 90% dos casos serão resolvidos com diálogo, mas haverá 10% deles onde será necessário impor limites.
Todo adulto vai colher o adolescente que plantou. Há pais que reclamam que seu filho de 15 anos não quer conversar com ele. Entretanto, esse mesmo pai, no passado respondia assim para a criança “não pergunte o porquê; é porque eu quero; é porque eu estou mandando”. O diálogo deve ser um hábito cultivado desde a infância. Essa medida vai facilitar bastante a convivência na adolescência.
Investir no vínculo pai-mãe-filhos desde aquela noite mágica quando os bebês foram encomendados, privilegiando o diálogo, construindo herdeiros mais gratificados é tão importante quanto explicar para as crianças, na hora apropriada, que as drogas fazem mal, estragam a saúde, prejudicam a família e acabam com os sonhos. Quando chegar o momento de conversar prá valer sobre esses corsários que roubam tesouros, o território da bela vida já estará fortificado como um castelo, e os mandatos de segurança e saúde serão rei e rainha.
Ziyad Abdel Hadi
CRM SP 105.886
Psiquiatra
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